quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Rio São Francisco: os peixes se foram


  Texto: Camila Fróis/ Fotos: André Fossati - 04/11/13    



"O São Francisco era fundo, que era até escuro, tinha lugar de 20 metros de fundura. Naquele tempo, por falta do conhecimento, desmataram as laterais do rio, derrubando as beiradas. Agora num tem mais as raízes pra segurar a terra e foi tudo desabando e desabando e desabando e entupindo, desabando e entupindo, até ficar assim. Hoje tem lugar que você pode atravessar de pé no rio. Moço, isso aqui 'diferençou' foi muito".
As memórias do sanfoneiro Amarante dos Passos, natural da pequena cidade Manga, no sertão mineiro, foram parar na telona em uma das sessões da última edição do "Cinema no rio", um projeto que há 8 anos leva a sétima arte para as comunidades às margens do Velho Chico.
No mesmo vídeo exibido ali na beira d'água, outro morador bem mais jovem, Florisvaldo dos Santos, de cerca de 30 anos, também testemunhava transformações rápidas no rio da sua infância. "Quando era criança, a gente só brincava era no rio, banhava na praia, não tinha outra coisa. (...) A gente montava na canoa e ia navegando e os peixes iam pulando. Ave Maria, era gostoso demais. O rio era bom porque tinha fartura".
Sob a luz da lua, com a brisa do São Francisco no lugar do ar condicionado e geralmente com um casario secular empoeirado como cenário, as sessões do projeto já foram prestigiadas por mais de 200 mil espectadores em povoados desde a nascente até a foz do Velho Chico. Diante da tela, os ribeirinhos prestigiam os filmes de animação, longas e curtas metragens ficcionais e viajam no tempo ouvindo as próprias histórias sobre o São Francisco, registradas em minidocumentários gravados ali mesmo. Nos depoimentos, a nostalgia de grandes pescarias, da paisagem cercada por uma mata densa, das viagens em navios a vapor e das noites animadas por rodas de batuque iluminadas pelas lamparinas de azeite. As memórias são muitas e hoje estão registradas em um acervo de mais de 70 vídeos produzidos desde as primeiras expedições.
Quando idealizou o projeto, o produtor Inácio Neves já organizava sessões de cinema ao ar livre nas praças de Belo Horizonte, sua cidade natal. Resolveu, então, ir mais longe. Hoje, ele coordena a expedição que chega até vilas de pescadores, comunidades quilombolas e pequenos povoados do Velho Chico, muito distantes das salas de exibição dos shoppings centers. Em cada vilarejo ou cidade por onde passa, nos trechos entre Minas Gerais até Alagoas, a equipe do projeto realiza oficinas de fotografia, pesquisas culturais e grava os depoimentos como os do senhor Amarante, que assiste da janela de casa a deterioração inexorável de um rio que já foi a grande fonte de subsistência de sua comunidade.
À noite, os moradores, cineastas, jornalistas e antropólogos se reúnem todos em uma só plateia. Ao invés de peças pesadas usadas em projeções convencionais, a tela é inflável, muito mais fácil de montar e desmontar. Um grande amontoado de lona se transforma em uma tela de cinema de 10m x 7,5 em apenas 15 minutos. A pipoca é grátis e a fila é de perder de vista.
Além de promover o acesso às produções cinematográficas nacionais menos comerciais, Inácio explica que, hoje, a proposta da expedição é também valorizar as tradições regionais, o folclore, a musicalidade e todas as formas de cultura popular ribeirinha através do estímulo a apresentações locais antes do cinema.
Além disso, a ideia é trazer o foco para o São Francisco. "A gente viaja pelo rio, então não temos como ignorar o drama pelo qual ele está passando. Estamos entrevistando as pessoas, questionando sobre os problemas do rio e colocando isso na tela."
      

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